Aprender através do ensino e cuidado interdisciplinar baseado na comunidade no contexto da atenção primária à saúde

Unidade Sede: Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto

Unidades Colaboradoras: Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto/Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto, Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto, Secretaria Municipal da Saúde de Ribeirão Preto.

Coordenador do Projeto: Ivan Savioli Ferraz

Contato do Projeto: isferraz@fmrp.usp.br, tel: (16) 3963-6627; HC-Criança – 5o. andar (Ribeirão Preto)

Equipe do Projeto: Ivan Savioli Ferraz, Viviane Cunha Cardoso, Valdes Roberto Bollela, Luiz Antonio Del Ciampo, Heloísa Bettiol, Omero Benedicto Poli Neto, Fabíola Traina, Elen Almeida Romão, Luciana Carla dos Santos Elias, Rubens Russomanno Ricciardi, Marlívia Gonçalves de Carvalho Watanabe, Regina Yoneko Dakuzaku Carretta, Maria Paula Panuncio Pinto, Vânia dos Santos (Docente FCFRP-63324), Harnoldo Colares Coelho, Fernanda Kimie Tavares Mishima Gomes, Luana Pinho de Mesquita Lago (FORP).

Resumo do Projeto: A presente proposta vem ao encontro das atuais diretrizes curriculares para os cursos das áreas da saúde do Ministério da Educação do Brasil que preconiza uma maior inserção do graduando em cenários de ensino e aprendizado na comunidade. Além disso, estas diretrizes curriculares apontam para a necessidade da atuação do profissional de saúde em equipes multidisciplinares atuando na promoção da saúde individual e coletiva.

Exercendo atividades em unidades de saúde ligadas ao Sistema Único de Saúde (SUS), a atuação junto à comunidade permitirá que alunos de graduação conheçam a realidade das condições de assistência, tomando conhecimento dos agravos à saúde mais comuns que afligem a população brasileira; concomitantemente, a inserção do aluno de graduação na comunidade propiciará um conhecimento mais próximo da realidade das condições de vida da população. Da mesma forma, a experiência junto à comunidade permitirá que os alunos apreendam as formas e estratégias da população para lidar com essa realidade.

Ao mesmo tempo, a atuação da universidade com alunos de graduação e seu corpo docente junto à comunidade poderá propiciar uma assistência à saúde de elevada qualidade e de forma holística e integral. Desta forma, a população poderá se beneficiar da assistência em diferentes áreas (médica, odontológica); além dessas especialidades, a população infantil teria acesso à assistência psicológica em casos encaminhados pelos alunos em estágio nos ambulatórios de pediatria das respectivas unidades. Ao lado da assistência, a presente proposta apresenta atividades de promoção à saúde que podem ser realizadas não só por alunos de graduação da área da saúde, mas também, de outras áreas. Desta forma, alunos do curso de música realizarão aulas de violão para crianças com até dez anos de idade. Outras atividades de promoção de saúde envolverão atividades em salas de espera de atendimento (contar histórias, jogos, coral), atividades esportivas e palestras em escolas sobre saúde bucal.

De forma adicional, acreditamos que a universidade poderá contribuir com a sociedade apresentando modelos mais humanizados e holísticos de assistência na atenção primária à saúde, os quais poderão ser reproduzidos em outros ambientes. Baseados nessa interdisciplinaridade e na busca de novos modelos de formação de profissionais de saúde, este grupo se propõe a trabalhar com atenção à criança e adolescente para além do momento da consulta médica. Consideramos que o cuidado com esta população, especialmente em situações de risco e vulnerabilidade, deva oferecer atividades significativas tais como esporte, música e brincadeiras, de forma a aproximar esse público-alvo da equipe de saúde, favorecendo a identificação e o estabelecimento de redes de apoio que facilitem resultados mais efetivos. Ações como estas beneficiam não apenas as crianças, mas transformam o olhar clínico dos futuros profissionais que participam das mesmas; o aluno começa a ver a criança como um ser humano cheio de potencialidades e não apenas como o portador de uma doença que deve ser diagnosticada e tratada. Além disso, compreende que o imaginário e a criatividade contribuem para a resposta dos pacientes ao tratamento proposto. Os futuros profissionais de saúde que passam por experiências como essas são portadores de ferramentas que podem modificar a visão atual de promoção de saúde.

Resultados do Projeto: As atividades neste projeto são desenvolvidas pelos bolsistas e pelos não bolsistas; obviamente, em um projeto dessa natureza, as atividades se interrelacionam. Vamos a elas:

1) Atendimento ambulatorial de crianças e adolescentes pelos internos do curso médico, sob supervisão de docentes, nas dependências de uma unidade básica de saúde (UBS): o Centro Médico Social Comunitário “Vila Lobato” (CMSCVL), localizado no Jardim Antarctica, no município de Ribeirão Preto; estas atividades são realizadas diariamente, de 2ª. à 6ª. feira.

Inicialmente estavam previstas as mesmas atividades na Unidade de Saúde da Família “César Augusto Arita” (CAA), localizada no Jardim Paulo Gomes Romeo, em Ribeirão Preto. Entretanto, por mudanças estruturais no internato do 5o. ano, isso não foi possível. Além disso, desde julho/2019, devido a mudanças organizacionais na USFCAA (o equipamento tornou-se uma unidade de saúde da família tradicional), o atendimento e supervisão pela equipe de pediatria foi totalmente interrompido;

2) Atendimento ambulatorial odontológico de crianças, adolescentes e adultos por alunos do curso de odontologia, sob supervisão de um docente da Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto-USP (FORP), nas dependências do CMSCVL (de 2ª. à 6ª. feira) e na USFCAA (às 6ª. feiras); estas atividades ocorrem diariamente, de 2ª. à 6ª. feira (com exceção das férias letivas); de forma adicional, periodicamente, estes alunos também realizaram palestras sobre saúde bucal, aplicação de flúor e técnicas de escovação de dentes em escolas de ensino fundamental e médio do entorno do CMSCVL;

3) Atendimento ambulatorial psicoterápico de crianças e adolescentes de forma individual e em grupo por alunos do curso de psicologia da Faculdade de Filosofiia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto-USP (FFCLRP), sob supervisão de um docente do referido curso, nas dependências do CMSCVL e na USFCAA; estas atividades ocorrem em cinco períodos por semana no CMSCVL e um período na USFCAA (com exceção das férias letivas). Pelo mesmo motivo exposto no item “1” (a USFCAA tornou-se uma unidade de saúde da família tradicional), desde agosto, os atendimentos psicoterápicos têm sido realizados apenas no CMSCVL; deve ser ressaltado que a bolsista que prestava atendimento psicoterápico na USFCAA foi deslocada para o CMSCVL a partir de então. Esta atividade tem sido realizada por quatro alunas da psicologia, sendo duas delas bolsistas do “Aprender na Comunidade”;

4) Atividades de terapia ocupacional (TO) – brinquedoteca, contação de estórias e estímulo a leitura de livros, oficina de brinquedos e brincadeiras – junto às crianças nas salas de espera de atendimento da USFCAA por alunos de graduação em TO e supervisionados por um docente do referido curso; tais atividades são realizadas em dois períodos, de 2ª. à 6ª. feira (com exceção das férias letivas). Ressalta-se que esta foi uma das atividades inovadoras propostas pelo projeto. Novamente, devido ao fato de a USFCAA ter se tornado uma unidade de saúde da família tradicional, desde agosto/2019 esta atividade tem se desenvolvido no CMSCVL:

5) Aulas de violão no CMSCVL para crianças de até 10 anos de idade ministradas por um aluno de graduação em música, supervisionados por um docente do referido curso; tais atividades são oferecidas em duas tardes para grupos de até sete crianças. Ainda que essa atividade não tenha se constituído, exatamente, numa proposta inovadora, já que as aulas de violão haviam começado em novembro/2017 no CMSCVL, a continuidade desse processo só foi possível graças à bolsa de estudos concedida pelo “Aprender na Comunidade”;

6) Atividades de visitas domiciliares dos alunos de ciências farmacêuticas junto as equipes das unidades, supervisionadas por docentes do curso; tal atividade foi oferecida quinzenalmente na USFCAA entre os meses de março à maio e teve como objetivo identificar e trabalhar as dificuldades da população com a adesão medicamentosa.

Ao lado do atendimento e da assistência direta à população, vale ressaltar a realização de reuniões mensais para a discussão conjunta entre a equipe de psicologia e a de pediatria de casos de crianças e adolescentes referenciados dos ambulatórios de pediatria geral do CMSCVL; esses pacientes são referenciados para avaliação psicológica na própria unidade pela equipe de psicologia. Esta equipe é formada pelos alunos do curso de psicologia e supervisionada por uma docente e um por uma psicóloga do Departamento de Psicologia da FFCLRP. Vale lembrar que, muitas vezes, os pacientes são referenciados pelos internos do curso de medicina da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – USP (FMRP) que realizam atendimentos nos ambulatórios do CMSCVL, sob supervisão dos docentes da referida escola médica e por médicos assistentes do Hospital das Clínicas da FMRP-USP (HCFMRP). Trata-se, portanto, de uma atividade que promove de integração entre dois campos do saber e a interdisciplinaridade.

Percebe-se nos alunos de graduação de medicina e de odontologia o reconhecimento das diferenças em se atuar na comunidade (nível de atenção primária à saúde) em relação aos níveis mais complexos de assistência. Ao lado desse reconhecimento, é possível perceber por meio dos discursos desses alunos a percepção da extrema importância de uma atuação resolutiva na atenção primária para o sistema de saúde em geral.

Reconhecimento semelhante, ainda que, com algumas diferentes nuances, é admitido pelos estudantes de psicologia. Eles verbalizam que a realidade percebida na comunidade é algo diferente em relação aos atendimentos psicoterápicos realizados dentro do espaço físico da universidade; esses alunos percebem essa experiência como positiva.

Percepções positivas em relação à experiência da atuação junto à comunidade também são reconhecidas nos alunos da música, TO e de ciências farmacêuticas.

Aqui cabem duas observações. A primeira é que essas opiniões dos docentes em relação aos alunos ainda são baseadas em impressões subjetivas – pelo menos, em relação aos alunos participantes desse projeto; pretenderemos aplicar questionários junto aos alunos que possam ratificar (ou não) essas impressões. A segunda observação é que, pelo fato da maioria das atividades propostas nesse projeto já serem realizadas há tempos nas UBSs e com avaliações discentes anteriores, sabe-se que o reconhecimento da relevância da atuação da universidade junto à comunidade é alcançado na maioria dos alunos que atuam em UBSs; além disso, os estudantes também reconhecem a importância dessa atuação na formação discente.  

Em termos gerais, percebe-se um nível de satisfação um pouco maior do usuário de UBSs nas quais há ativa participação da universidade em relação àquelas que não possuem essa atuação.

No que tange ao CMSCVL, por se tratar de uma unidade cinquentenária, a percepção dessa satisfação era percebida mesmo antes das atividades realizadas pelo “Aprender na Comunidade”. Desnecessário dizer que essa satisfação se refere à assistência à saúde da população prestada pelas UBSs, com ativa participação de alunos de graduação e do corpo docente da USP; tal assistência está contemplada nas atividades previstas pela presente proposta junto ao “Aprender na Comunidade”.

Especificamente em relação às atividades desenvolvidas pelo nosso projeto no “Aprender na Comunidade”, duas atividades parecem causar um impacto positivo junto aos usuários, especialmente por serem relativamente novas nas UBSs: o atendimento/seguimento psicoterápico realizado pelos alunos da psicologia e as aulas de violão. Em relação à primeira, trata-se de um alívio no “gargalo” que representa a assistência à saúde mental no município de Ribeirão Preto; além disso, oferece-se um serviço de seguimento (que exige várias idas ao profissional) nas cercanias das casas dos usuários, muitas vezes permitindo o acesso sem a necessidade de uso de transporte motorizado. Em relação às aulas de violão, essas se apresentam como uma oportunidade única para crianças carentes de até dez anos de idade. Destaca-se que, além da gratuidade das aulas, os violões usados na atividade são doados pelo Departamento de Música da FFCLRP, não havendo custos para o usuário. De forma indireta, a satisfação dos usuários com essa atividade pode ser percebida pelo fato de que, em seis meses da retomada das aulas, apenas uma criança desistiu das mesmas por motivo de mudança de cidade.

Várias das atividades realizadas no projeto do “Aprender na Comunidade” já se faziam presentes há algum tempo nas UBSs envolvidas, especialmente, no CMSCVL; percebemos uma “identificação positiva” da população local com os serviços oferecidos pelas UBSs – e, em especial (novamente) , no CMSCVL, há cinco décadas prestando assistência à saúde da comunidade com a participação da USP.

Entretanto, com o auxílio do “Aprender na Comunidade” pudemos oferecer alguns novos serviços à população e retomar outros (como foi o caso das aulas de violão). Dessa forma, além de expandir os cenários de ensino-aprendizagem, essa forma de contato com a comunidade reforça a importância da universidade pública na sociedade, principalmente em tempos em que seu papel vem sendo muito questionado.

De forma adicional, mesmo quando não ocorrem atividades interdisciplinares “formais”, a convivência de alunos e docentes de diversos cursos num mesmo espaço físico pode proporcionar troca de experiências que podem gerar ideias inovadoras de assistência, pesquisa e ensino.